Cerca de 10% dos que concluem a escola na Alemanha dedicam-se a um período de trabalho social. Programa promovido pelo governo também pode ser uma opção para brasileiros.Quando a vida escolar termina, jovens se deparam com um caminho em branco, pronto para ser moldado a partir de suas escolhas. As dúvidas e as novas responsabilidades da fase adulta podem ser desafiadoras, e muitos buscam um respiro antes de iniciar alguma formação profissional. Na Alemanha, cerca de 80 mil jovens a cada ano dedicam-se a um período de trabalho social quando concluem a escola, o que corresponde a aproximadamente 10% dos egressos.

Desenvolver habilidades e adquirir vivências enriquecedoras fazendo o bem ao próximo. Essa é a premissa de quem escolhe um ano social, que pode ser feito nas áreas de cuidados para idosos, crianças, e indivíduos com deficiência, por exemplo; em locais como hospitais, clínicas, asilos, centros sociais, creches e associações esportivas; nas áreas de cultura, educação e preservação de monumentos, e também na área ambiental.

Existem dois programas principais promovidos pelo governo alemão para o envolvimento de jovens no trabalho voluntário: o Bundesfreiwilligendienst (Serviço Voluntário Federal ou BFD, na sigla em alemão), que está sob a alçada do Ministério da Família, Terceira Idade, Mulheres e Juventude e não tem restrição de idade ou limite de vezes em que pode ser feito, e o Freiwilliges Soziales Jahr (Ano Social Voluntário ou FSJ), voltado para jovens de até 26 anos de idade que já tenham concluído a escola e deve ter duração mínima de seis meses e máxima de 18 meses.

Há ainda o Freiwillige ökologische Jahr (Ano Ecológico Voluntário, ou FÖJ), que abarca serviços nas áreas de natureza e proteção ambiental e também está disponível para jovens de até 26 anos de idade.

Os interessados podem se candidatar para vagas junto a uma das muitas organizações responsáveis pelo planejamento e implementação do serviço voluntário e que mediam oportunidades. Em alguns casos, também é possível se candidatar diretamente em uma instituição de interesse.

Uma ajuda financeira que varia de instituição para instituição é fornecida, num valor máximo de 372 euros mensais, com auxílios adicionais para moradia, alimentação e deslocamento. Os voluntários participam de seminários, encontros e sessões de orientação que permitem a troca de experiências.

“Entendi que eu tinha muitos motivos para ser grata”

“Foi o ano mais importante da minha vida para meu desenvolvimento como pessoa, como ser humano”, avalia Greta Krechting, de 23 anos, que hoje estuda Medicina em Kiel e fez um ano de serviço social quando deixou a escola. Ela atuou na clínica de neurologia e neuro-oncologia da Universidade de Bonn, no oeste da Alemanha, onde fez parte da equipe de cuidados dos pacientes.

“Eu acompanhava pacientes com tumores cerebrais em exames e ajudava os enfermeiros na higiene e administração de remédios.Onde cresci, vivi em um mundo mais protegido e perfeitinho. Por sorte, toda minha família e meus amigos tinham saúde. Entendi que eu tinha muitos motivos para ser grata e estar satisfeita com diversas coisas na minha vida”, conta Greta.

A estudante também destaca que o período a fez entender que cuidar dos outros a deixava feliz e lhe trouxe disciplina e aprendizados práticos na área da saúde.

“Saí da minha zona de conforto”

Quando Kris Medding, de 21 anos, terminou a escola, ela não fazia ideia de que carreira seguir. “Decidi que primeiro iria viver uma coisa nova e me desenvolver enquanto pessoa”, diz.

Em um evento do programa European Solidarity Corps, da União Europeia (UE), a jovem resolveu unir o ano de serviço social com uma experiência no exterior que lhe permitisse aprimorar o inglês.

Kris encontrou uma vaga em Luxemburgo, onde auxiliou crianças, adolescentes e jovens que participavam de um projeto social criativo que as ensinava a trabalhar com cortadores a laser, impressoras 3D ou programas como Adobe Illustrator ou Photoshop.

“Saí da minha zona de conforto, conheci pessoas diferentes e aprendi a viver longe da família, me senti muito mais preparada para entrar na universidade”, aponta Kris, que hoje cursa Ciências da Nutrição e dos Alimentos na Universidade de Bonn.

Oportunidade para brasileiros

Brasileiros também podem participar dos programas FSJ e BFD, cujos requisitos para estrangeiros variam de instituição para instituição, mas sempre incluem conhecimentos básicos de alemão.

É o caso de Adriana Figueiredo, de 25 anos, que realizou o sonho de morar fora por meio de um ano de trabalho social na Alemanha. Entre 2018 e 2019, a agora jornalista morou na cidade de Osnabrück, na Baixa Saxônia, onde trabalhou como auxiliar de sala de aula em uma escola para crianças e jovens com deficiências.

“Eu acompanhava os alunos nas atividades, como educação física, coral, artes, e os ajudava na hora de comer. Fazia uma supervisão geral. Tive um pouco de receio no início, já que nunca tinha me envolvido com essa área antes, mas tudo correu de forma muito tranquila”, avalia Adriana, que também teve a chance de aprimorar seus conhecimentos de alemão, pois era a língua usada no trabalho.

Uma ONG que organiza intercâmbios culturais intermediou a colocação de Adriana na vaga em Osnabrück, por meio do BFD. A jovem recebia, no total, em torno de 700 euros mensais, com os quais cobria os custos de moradia (que foi organizada pela instituição onde trabalhou), transporte e despesas básicas de alimentação. Vale lembrar que cada posto de trabalho tem uma ajuda financeira distinta.

“Foi uma experiência incrível, aprendi a respeitar, a compreender as realidades de vida de cada um. Aprendi muito sobre educação inclusiva, uma área pela qual me interesso bastante”, diz.

“Em termos afetivos, fui muito bem recebida, os alunos eram muito carinhosos. A minha turma tinha duas professoras e uma outra voluntária alemã que estava no programa FSJ, então também tive a chance de fazer amigos e me integrar na cultura local. Foi um ano repleto de coisas positivas, e eu adorava a qualidade de vida que tinha lá!”, relata Adriana.

Um dever para todos?

O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, vem defendendo a ideia de um período de serviço social obrigatório no país, sob o argumento de que a medida fortaleceria a coesão social e a democracia.

A proposta é criticada por diversos setores e nunca avançou. Críticos veem o serviço social como algo que deve partir de uma escolha individual e de uma inclinação pessoal.

Para a porta-voz da instituição beneficente Caritas Bonn, Mechthild Greten, o trabalho social não deve adquirir um caráter compulsório. “A área social tem a ver com relacionamento interpessoal e exige certa abertura. Acho que programas como o FSJ devem permanecer voluntários”, considera.

Greten aponta que um incentivo financeiro maior poderia ser a solução para que os programas sejam mais reconhecidos na sociedade e tenham um maior apelo entre os jovens.

Já para o jurista e teólogo Jeans Kreuter, diretor da organização sem fins lucrativos Engagement Global, que promove consultorias para projetos de desenvolvimento, um período dedicado a ajudar o outro deveria ser um princípio básico.

“Atualmente, a relação entre o indivíduo e a sociedade está essencialmente reduzida a pagar impostos e obedecer à lei. Contanto que eu não passe no sinal vermelho e pague meus impostos, eu fiz tudo o que o Estado quer de mim. E não é preciso pensar muito para chegar à conclusão de que isso não é suficiente. A democracia não é um supermercado, você não pode apenas ir lá e tirar o que quiser da prateleira”, afirma.

Kreuter trabalhou por anos na coordenação de serviços sociais do Ministério da Família, Terceira Idade, Mulheres e Juventude e reforça: “Uma sociedade é absolutamente dependente de que as pessoas façam algo umas pelas outras e pela comunidade.”